terça-feira, 10 de março de 2015

Lendas de bruxas fazem parte da realidade de ilha em Porto Alegre

Histórias são contadas na Ilha da Pintada, no arquipélago da capital gaúcha,
Benzedeira explica como se proteger, e pescador diz ter visto bruxa no céu.

Uma crença resiste ao tempo na Ilha da Pintada em Porto Alegre, uma das 16 do arquipélago da capital. Moradores creem que bruxas circulam pelo bairro, e o mistério em torno delas se mistura ao dia a dia local. Para proteger a comunidade, mulheres aprendem o ofício das benzedeiras, e passam a tradição de geração em geração, como mostra


Moradora do local desde a infância, a antropóloga Suzana Araújo cresceu cercada pelas lendas. Adulta, decidiu pesquisar a origem do mistério. O estudo virou tese de doutorado. "Existe uma crença muito antiga na ilha. Na verdade, tem a ver com os primeiros moradores, que são descendentes de açorianos. As bruxas em alguns casos são da própria comunidade. É sempre alguém dentro desse ritual de benzeção, é sempre alguém que a benzedeira vai identificar depois, mas é algo meio secreto", contou Suzana.
O mistério tem mais de três séculos. Os moradores dizem que algumas crianças nascem "embruxadas". "Ela tem alguns sintomas que vão levar uma benzedeira a dizer para a mãe da criança: 'olha tua filha foi embruxada por uma bruxa'. Que sintomas seriam esses: as manchas roxas, a criança não dorme à noite, ela começa a emagrecer e dorme com os braços cruzados, assim", explica Suzana, mostrando o gesto semelhante ao de um cadáver em um caixão.
Vó Caco benze criança na Ilha da Pintada, em Porto Alegre
Vó Caco benze criança na Ilha da Pintada,

Uma "guerra" velada envolve bruxas e benzedeiras. Isolda Maciel Carvalho, a vó "Caco", como é conhecida por todos, mantém um ritual que aprendeu com a avó, quando tinha 13 anos: a benzedura. Com o poder das ervas e das orações, ajuda nos males da gripe, alergias, dores musculares, mau olhado, quebranto. Mas o que vó Caco conhece como ninguém são os poderes para afastar as bruxas que ela garante que existem.
"Tem uma porção. São umas moças, diz que são umas moças que viram velhas, viram bruxas", revelou. Para evitar que as bruxas entrem em casa, é preciso um ritual. "Tu faz um símbolo de Salomão, até na fronha do travesseiro, nas janelas do quarto que a gente fazia antes, né. E se bota uma tesoura um pouquinho aberta embaixo do travesseiro, que quando ela vem para a criança, a tesoura corta. Ela não chega", explica.
Segundo os moradores, quando a noite cai o perigo começa a rondar a ilha. As bruxas atacam nas madrugadas de quinta-feira para sexta-feira. Não entram só nas casas, mas também povoam o imaginário dos pescadores. Alfredo Gonçalves da Silva, de 93 anos, garante que viu uma de perto.
"Já vi pelo ar, dando risada. Já vi", repete. "Muitos anos atrás, eu estava deitado em um acampamento e vi aquelas 'voadas' por cima assim e passava. Diz que sai remando, antigamente dizia que ela saía remando, cada remada era uma légua", relembra.
Bruxaria moderna prega respeito à natureza
Apesar das muitas histórias, bruxas e benzedeiras nem sempre são rivais. Elas têm muitas coisas em comum, como o respeito pela natureza e o uso de ervas para a prática de cura. Os mestres em magia e bruxaria, Magnus Anala Morgann e Hannah Nahash contam que começaram a se interessar por magia depois de terem contato com curandeiras ainda na infância.
Bruxos modernos pregam respeito à natureza
Bruxos modernos pregam respeito à natureza

"A bruxaria contemporânea é de evolução espiritual, de autoconhecimento. A bruxaria atualmente enquanto religião busca nos ligar ao sagrado, nos ligar novamente aos deuses que eram celebrados que estavam presentes na Terra, na natureza e na verdade espiritual daquele povo", explicou Morgann.
Suzana também incluiu na sua pesquisa a bruxaria moderna. As diferenças segundo ela, estão basicamente na maneira como as duas são ensinadas.
"Na verdade eu comparei essas duas bruxarias a que eu chamo de bruxaria tradicional e a bruxaria moderna da Wiica e de outros grupos que temos aqui em Porto Alegre e na ilha também. Tem wiicanos na ilha. Uma é o conhecimento mais erudito. O bruxo moderno estuda, busca na cultura popular, tem um grupo, é uma religiosidade. E, como a bruxaria na ilha é hereditária, passa de pai para filho, e a benzedeira também é hereditária, não é qualquer um que pode benzer. Eu acredito que tenha similaridades aí na questão do dom da hereditariedade da bruxaria", afirmou.
Magnus e Hannah dizem que veem na bruxaria um sentido para a vida. Juntos, têm uma escola de magia. Em rituais, reverenciam os ancestrais, os deuses nos quais acreditam.
"Para mim a bruxaria ela é, foi, a forma de achar o sagrado dentro de mim. Eu não conseguiria ver o sagrado de outra forma. Todo ato, todo contato com as pessoas, toda a minha vida, todo o momento é magia", salientou Hanna Nahash.
Para o bruxo, a magia está ao alcance das pessoas. "Nossa tradição mantém uma escola ou mais de uma célula dessa escola, essa escola são grupos de pessoas que inicialmente começam a estudar essa espiritualidade para saber exatamente se é isso que eles buscam se a nossa tradição vai atender a realidade de cada um, visto que caminhos diferentes podem ser seguidos e levar o mesmo sagrado", explica.