quarta-feira, 8 de abril de 2015

Mortes em rituais satânicos

Uma sequência de assassinatos misteriosos estaria ligada a rituais de magia negra. A Polícia apura o caso em sigilo

Uma história macabra, repleta de mistério e de crimes com requintes de perversidade. Este é o enredo de mais uma sigilosa investigação que a Polícia cearense está realizado e à qual o Diário do Nordeste teve acesso com exclusividade. O caso está em andamento no 32º DP (Bom Jardim) e trata de uma sequência de assassinatos ocorridos em diferentes bairros da Capital, mas que têm ligação entre si. Os suspeitos são membros de terreiros de Umbanda.

Os assassinatos, com características de rituais de magia negra, começaram a acontecer no meio do ano. As vítimas foram sequestradas, levadas para locais ermos - como encruzilhadas, matagais e estradas de terra em pontos desabitados - e mortas a facadas, tiros e, ainda, submetidas a abusos sexuais. A Polícia tem ainda a informação de que os crimes foram filmados pelos assassinos e as imagens exibidas em rituais de Umbanda em terreiros no Bom Jardim.

Uma carta

A Polícia mantém extrema cautela em relação à investigação. Na semana passada chegou às mãos das autoridades uma prova reveladora. Uma carta apócrifa revelou a sequência dos assassinatos, indicação de nomes das vítimas e dos locais das execuções.

O Diário conferiu os casos citados na carta - a partir de seu levantamento estatístico dos homicídios na Grande Fortaleza - e constatou que, realmente, todos eles aconteceram.

Foram registrados pela Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) e todos estão ainda sem elucidação. E mais: em alguns deles os peritos e policiais que foram aos locais encontraram junto aos cadáveres restos de objetos usados em rituais de Umbanda. Pelo menos sete assassinatos foram citados na carta e o Diário comprovou o seu cometimento. O primeiro deles aconteceu no dia 22 de maio, logo no começo da manhã, quando o corpo de uma mulher foi encontrado às margens da Lagoa do Tabapuá, em Caucaia. O cadáver apresentava vários golpes de faca e sinais de abusos sexuais. O corpo foi mandado para o Serviço de Verificação de Óbito (SVO) e ali permaneceu durante mais de 20 dias. Ninguém o reclamou. Sem identificação, o cadáver foi enterrado, como indigente, no Cemitério do Bom Jardim.

O segundo assassinato atribuído aos suspeitos da seita aconteceu menos de duas semanas depois, na manhã do dia 5 de junho, quando o corpo de uma garota, que estava sem-despida, foi descoberto no matagal no mangue do Cocó, às margens da Avenida Governador Raul Barbosa, na Aerolândia. No dia seguinte, a família identificou a vítima como sendo a jovem Emanuella Maria da Silva, 17. A suspeita inicial seria mais crime praticado a mando de traficantes de drogas.

No dia 17 de junho, o corpo de Tiago de Sousa, 19, foi encontrado por sua mãe em uma cova rasa, num matagal na Rua Orlando Dias, na Granja Lisboa. No local, o escrivão Josenildo Moura de Menezes, do 32º DP, descobriu que havia restos mortais de animais e roupas manchadas de sangue, indicando que naquele local teria ocorrido um ritual de magia negra.

Mais mortes

Um dos crimes mais intrigantes para a Polícia no rol dos que estão sendo investigado diz respeito à morte do agente sanitarista Antônio Silva de Oliveira. Ele foi executado, a tiros, no dia 30 de agosto passado. O cadáver foi achado na Rua Júlio Colf, no Jardim Jatobá. Ao lado dele havia um bilhete com referências a rituais de magia negra e citações de nomes de umbandistas. O mesmo aconteceu com outro cadáver encontrado, dias depois, na localidade de Campo Grande, em Caucaia.

Também está sendo investigada a morte de uma terceira mulher, identificada como Nayara Rodrigues de Freitas, 19. À exemplo do que aconteceu com a mulher assassinada em Caucaia e com a adolescente estuprada e morta no Mangue do Cocó, Nayara foi executada e seu corpo jogado em uma vala dentro de um matagal entre os bairros Serviluz e Praia do Futuro. O corpo também apresentava sinais de violência sexual.

AMEAÇADOS
Terror entre os umbandistas

Uma carta de quatro folhas, relatando a sequência de mortes e dando os nomes dos autores das execuções chegou, na semana passada, às mãos do delegado Jacob Stevenson Mendes e do escrivão Josenildo Moura de Menezes, ambos lotados no 32º DP (Bom Jardim) e que estão investigando os assassinatos.

A carta, cujo teor foi obtido, com exclusividade, pelo Diário do Nordeste, fala da forma como os crimes são praticados, quem são os seus autores (praticantes de Umbanda) e o motivo deles. Revela ainda que, o mesmo grupo que vem cometendo os assassinatos também é o responsável pela violação de túmulos nos cemitérios de Fortaleza, cujo material (restos mortais humanos) é utilizado nos rituais de magia negra.

"Ele implorou para não morrer, mas foi oferendado a Oxossi. Foi executado com um tiro na nuca", diz um trecho do manuscrito que está de posse da Polícia. A descrição seria da morte de um agente sanitarista cujo corpo foi encontrado na manhã do dia 30 de agosto último, no Jardim Jatobá (Zona Sul). O Diário buscou informações sobre o crime citado na carta e constatou que ele realmente aconteceu. A vítima, identificada como sendo Antônio Silva de Oliveira, foi morta a tiro e o cadáver jogado em via pública.

Assim também aconteceu com Francisco George Raulino da Silva, cujo corpo apresentava lesões provocadas a tiros e golpes de faca, fato acontecido por volta de 5h41 do dia 24 do mês passado, na Rua Descartes Braga, Bom Jardim.

Terreiros

"Já tem muita gente com muito medo e está deixando de frequentar os terreiros temendo ser também assassinada. Já estivemos na Polícia e o caso foi comunicado a autoridades maiores", disse ao Diário Miguel Ferreira, representante da Associação Espírita de Umbanda São Miguel. Segundo ele, de 12 pessoas que estariam listadas para morrer, apenas duas estão ainda vivas.

Miguel explica que, na semana passada, compareceu com outros umbandistas ao 32º DP para se inteirar das investigações em torno do caso. "O que dizem é que tem cem pessoas para ser mortas em sacrifício", explica Miguel.

O umbandista disse que teve acesso a alguns documentos constantes nos inquéritos instaurados pela Polícia e, segundo ele, as pessoas citadas como sendo integrantes da seita responsável pelos assassinatos não são da Umbanda. "As pessoas cujos nomes estão sendo investigados são do Candoblé e algumas praticam o "Omolokô", que é uma fusão das duas religiões", afirma Miguel.

Ele ressalta ainda que a prática de sacrifícios humanos é milenar. "Seriam rituais tribais praticados na África há milhares de anos. Não tenho conhecimento de que isso ainda seja feito".

Enquanto as autoridades policiais fazem mistério em torno das investigações sobre as mortes macabras, os umbandistas tratam de se proteger. Na semana passada o fato foi levado ao conhecimento da Coordenação de Promoção de Políticas Para a Igualdade Racial, órgão ligado à Prefeitura de Fortaleza.

Direitos humanos

A repercussão do fato foi imediata e acabou sendo denunciada à Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, do Ministério da Justiça (MJ). Segundo Miguel Ferreira, no próximo dia 15, representantes da Secretaria estarão em Fortaleza para tratar do caso. O caso também já é do conhecimento da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), que não descarta a possibilidade de formação de uma força-tarefa para investigar os assassinatos.

JOVEM MORTO
Cadáver enterrado numa cova rasa

Na tarde de 17 de julho passado, a Polícia foi acionada para ir a um local de crime. Repórteres do Diário do Nordeste acompanharam os policiais do 32º DP ao ponto indicado. Era um matagal na Rua Orlando Dias, na Granja Lisboa. Quando repórteres e inspetores chegaram ao local constataram a veracidade do fato. Ali estava o corpo de um rapaz, identificado, logo em seguida, como sendo o jovem Tiago de Sousa, 19.

Tiago havia sumido de casa há três dias. Desesperada, a mãe do rapaz pediu ajuda dos vizinhos e passou a procurá-lo. Foi ela quem encontrou o corpo de Tiago enterrado em uma cova rasa. "Uma delas ajudou a colocar mato na cova rasa, mas disse que não sabia que havia um corpo ali", explicou o escrivão Josenildo Moura, que esteve no local, horas depois. Ele se referia às pessoas arroladas como testemunhas do fato.

"Não podemos ainda dizer, com exatidão, se todos esses crimes foram praticados por uma só pessoa ou por um só grupo, mas há, realmente, indícios que apontam para algumas coincidências entre eles", afirma um dos investigadores que trabalham no caso. Ele cita a forma idêntica como ficaram os corpos após os crimes.

"É muito cedo para definir se esses crimes têm conotação religiosa. Todos eles, porém, estão sendo apurados. Estamos buscando informações de outras delegacias para se confirmar ou não a procedência dessa versão", disse o delegado Jacob Stevenson, na semana passada.

No 32º DP há, por enquanto, somente um inquérito instaurado - de número 132-127/09 - onde constam informações sobre os vários homicídios.

Notificar

Ainda esta semana, a Polícia vai notificar as pessoas citadas nas primeiras investigações, ao mesmo tempo ouvir familiares das pessoas assassinadas. A busca por provas deve incluir também um confronto entre os laudos cadavéricos produzidos pelos peritos legistas da Coordenadoria de Medicina Legal (CML), da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce). Até que tudo seja devidamente esclarecido, com a identificação dos matadores, o mistério vai persistir.