A partir do final do século XV até meados do século XVIII, a caça às bruxas instituiu-se
na Europa, atingiu seu apogeu e declinou, deixando um rastro de milhares de pessoas
processadas, torturadas e mortas. Esses acontecimentos estão diretamente associados a um
fenômeno social bastante específico, que os pesquisadores atuais têm chamado com cada vez
mais frequência de "bruxaria européia", para distingui-lo de outras manifestações até certo
ponto correlatas.
Nossa intenção nesse artigo é discutir brevemente se, no Brasil dos tempos coloniais,
esse mesmo fenômeno se manifestou, ou seja: se houve aqui bruxas no sentido que estas eram
entendidas na metrópole, e se o temor a elas obedecia os mesmos padrões que podemos
encontrar nos casos europeus. Para isso, cabe fazer algumas considerações iniciais sobre o que
seria a "bruxaria européia".
A crença em bruxas é um fenômeno universal. Elas surgem, sob variados nomes, em
todas as culturas e existem muito poucas variações nos poderes que são a elas atribuídos. Jeffrey
Burton Russell (1993), no entanto, faz uma diferenciação entre aquilo que ele chama de
feitiçaria e a bruxaria propriamente dita, estando a primeira associada a crendices e
superstições, bem como a determinadas práticas de curandeirismo, de raízes ancestrais, difusas
no seio das populações, enquanto a segunda estaria relacionada a um culto organizado,
geralmente envolvendo o pacto com o demônio. Eu acrescentaria a essa divisão, para maior
clareza, a figura da curandeira ou xamã, que se distinguiria das duas outras classificações por
agir, de forma geral, para provocar benefícios e não malefícios, como as duas classes anteriores.
A bruxaria européia surgiu justamente da união da figura da feiticeira, já formada no
imaginário popular, com componentes das diversas seitas heréticas surgidas no seio da Igreja
Católica desde a Idade Média. Ou seja: uniram-se os poderes e malefícios característicos da
feiticeira com os componentes de organização, desafio e conspiração contra a Igreja